PALAVRA DO PADRE: LEIA O TEXTO “PERDAS” – COM PADRE EGUINALDO MENDES
12 de março de 2025
PERDAS
A vida é um balanço em que as perdas sofridas ao longo do caminho são compensadas pela forma que contribuem para o seu desenvolvimento. Judith Viorst
A vida se desenvolve a partir das perdas que são necessárias para o crescimento humano. No processo natural ela a induz a experiência da angustia. Sofre-se por ela e começa a viver sem entender, mas o certo é que as perdas vão incomodando o humano. Obviamente, no primeiro instante parece que tudo desapareceu e que não se enxerga mais nada e sim o vazio, a escuridão e a solidão.
Diante das perdas as emoções são diversas como o chorar, racionalizar e as vezes até mesmo a tentação de esconder o que está sentindo. Em seu poema, O poeta é um fingidor, Fernando Pessoa disse: finge tão completamente que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente. Com humilde eu acrescentaria dizendo também o contrário: finge não sentir a dor que deveras sente…
O objetivo deste texto é retratar as perdas, que vão acontecendo na vida, fazendo uma analogia com o desenvolvimento humano, da fecundação a morte. Na fecundação faz-se necessário deixar de ser para o não ser e o contrário, o não ser para ser, ou seja um perder para ganhar Por isso perder pode tornar-se um ganho, compreendendo a vida pela lógico do desenvolvimento.
Nesta fase uterina, o feto se encontra mais confortável, porem lutando. Mas, se fosse possível perguntar ao mesmo se desejaria sair, pode ser que não quisesse, mas biologicamente o útero o joga para fora, experimentando assim a primeira grande perda, ou seja um deixar de ser feto para ser bebê. Simbolicamente poderia se dizer que esta perda é tão angustiante que o bebê nasce chorando, mas ao mesmo tempo a necessidade de viver que é instintiva induz a buscar uma forma de se alimentar. Ele se encontra com os seios que tem duas fontes: a do prazer do alimento e do prazer da sucção. Assim o bebê é confortado pelos seios, que não parecem estranhos, mas sim como algo que fizesse parte do seu próprio corpo. Existe sim a saudade do útero, mas o prazer do calor e dos seios da mãe o faz querer ficar sempre ali.
A criança vai se desenvolvendo e logo também os seios também são retirados. Os motivos são diversos: o leite acabou, ela cresceu e precisa aprender a se alimentar das papinhas. Assim a criança perde os seios mas ganha os alimentos e vai descobrindo neles as cores, os sabores. Nesta fase os gestos também fazem parte por que eles são estimulantes para o comer, como se fosse um pequeno show: coma e ganhe parabéns…Assim o alimentar fica prazeroso e divertido.
Depois a criança começa a engatinhar, a ficar de pé e andar, sendo assim estimulada a sair do colo e andar com suas pernas. Quando começa andar, novamente é aplaudida. Aliás todos param para ver. Batem palmas e estimulam para que ela continue andando. Assim o prazer gerado pelos estímulos não permite que a criança perceba que uma perda também está acontecendo. O andar com as próprias pernas tem um preço, a perda do colo. Mas diante de tal plateia o sentimento ou o medo de perder desaparece.
A criança que aprendeu a falar e a andar vai desenvolvendo. Ai vem a escola, quando é obrigada a deixar sua casa, seus pais e encarar um mundo novo de pessoas novas e estranhas. Algumas resistem, outras na aventura e estimulo sentem a perda, mas são tragadas rapidamente pelo prazer de brincar com os outros. Aquele estado infantil, que é confortável vai se desfazendo chegando a adolescência, e os sentimentos, as paixões vão nascendo e o corpo se transformando e aquele ser pequeno infantil, vai sendo esquecido e não compreendido. Assim ela vai dos aplausos para as brigas, dos estímulos para as exigências. Assim começa o processo de lidar consigo mesmo, de reconhecer os seus anseios, os medos e suas angustias, com as diferenças do seu, pois o seu corpo e nem os pensamentos são os mesmos.
Por não compreender esta nova fase, o sentimento é de desaparecer e as vezes até de morrer, porque não tem o que tinha antes. Perdeu o seu ser criança. Começa a brigar consigo e com os outros. Quer ter razão sem ter sentido. Parece perdido, ou que a sua vida foi tomada. Tamanha é angustia que se tranca novamente, na tentativa de retomar o útero. Porém o quarto não tem o mesmo calor e a solidão parece assombrar. No útero não existe solidão por que o seu eu está ligado ao outro, que é a sua mãe.
Mas ao lidar com a angústia da perda da infância, o adolescente vai se sentindo jovem. Nesta fase nasce uma nova angustia: da responsabilidade. Os sonhos, o trabalho, a faculdade e os projetos exigem do jovem uma nova compreensão do seu ser. A luta pela independência. Porém perde-se o conforto da responsabilidade que era dos outros e assumo pela liberdade a responsabilidade que passa a ser sua. Assim a adolescência angustiante vai ficando perdida para trás, permitindo que o ser jovem nasça.
O jovem vai se desenvolvendo, fazendo suas escolhas e em cada uma delas, existe perdas e ganhos. Mas o saber lidar com as perdas vai tornando a vida melhor. Nesta etapa da vida a consciência das perdas e dos ganhos vai aparecendo. Vai para a faculdade, deixando a sua casa, namora deixando os amigos, casa deixando os pais e o ser solteiro, separa deixando uma história, trabalha em um emprego, deixando outras possibilidades. Assim a vida vai se construindo, entre perdas e ganhos.
Viver é aprender a lidar com mundo de perdas e ganhos. Só perde algo ou alguém, quem já ganhou e se ganhou já é um bom resultado. A angústia no entanto, induz ao reclamar sobre a perda, como se tivesse reclamando a saída do útero, ou o poder lutar para continuar a vida e refazer outros sonhos. Assim a vida vai se tornando um jogo de perdas e ganhos. Perde-se pessoas e a colocamos no “céu”, para que a saudade de alguém seja menos dolorida. Perde-se entes queridos, coisas, jogos e tudo vai conduzindo ao sofrimento, mas também aprendendo com ele, pois ele se torna uma catarse, um momento de crescimento e de amadurecimento. Assim compreende que é preciso deixar o casulo, deixando de ser aquilo que o faz sofrer, para ser melhor e além do que o estado da dor e do sofrimento gerou. Ou seja, uma nova, capaz de lidar com as adversidades da vida.
Sofrer em demasia é uma tentativa de achar que tudo é eterno, de não perceber que tudo é passageiro. Quem vive consciente de que as coisas as pessoas são passageiras, consegue lidar com mais tranquilidades com as perdas que naturalmente acontecem na vida.
Não existe de forma saudável um desejo pelo perder, mas se faz necessário saber perder e aprender com as perdas, abrindo-se as possibilidades que podem se tornar ganhos. É preciso entender o sofrimento, usando a dor e de forma canalizada, reconstruir a partir daquilo se foi.
Concluo dizendo que as perdas são importantes para o crescimento humano. Sem elas, provavelmente não existiria o desenvolvimento. O conflito humano não está naquilo que é a realidade, mas naquilo que se idealiza do ser humano, como se fosse possível viver sem perder.
Saber perder já é um ganho.
Padre Eguinaldo Mendes – Pároco da Paróquia de Santa Luzia – Carangola – MG
Sugestão de Leitura
Perdas Necessárias – Judith Viorst